terça-feira, 11 de dezembro de 2007

NEW BLOOD


Jason deslocava-se a caminho do hospital a um ritmo de passeio descontraído. Naquele dia, tinha decidido doar o seu sangue, tendo como garantia uma análise que tinha feito há pouco tempo, que lhe indicara que tudo estava bem... no que dizia respeito ao combustível do seu corpo.
Deu entrada no hospital, dirigiu-se ao local destinado para a doacção e sentou-se a ler uma das revistas que datavam uns meses atrás, que tinham ali posto à disposição na sala de espera. A escolha não era muita. Apenas havia magazines cor-de-rosa... Pensou que poderia distrair os olhos nas imagens e nas letras gordas, pois não tinha paciência para ler o resto do conteúdo. Apresentava-se com alguma sonolência, com um ar cansado de enfastiamento, barba por fazer e calças rasgadas, causa de uma queda que o deixara estatelado no chão numa das suas noites de copos. Enquanto os seus olhos conjugavam as sílabas dos títulos dos artigos da revista, Jason já se encontrava perdido em pensamentos mil, até que uma voz o interrompeu:
- Desculpe, podia-me dizer as horas? - perguntou uma voz simpática de uma rapariga que entretanto se sentara a seu lado.
Jason desloca a sua mão ao bolso das calças, retira o telemóvel e transmite em tom informativo qual o horário que este apresentava.
- Ah, que engraçado, tem um telemóvel igual ao meu... - disse ela com alguma admiração.
- É normal. Este modelo foi vendido com alguma massividade nos últimos tempos.
- Se calhar poderia-me ajudar numa pequena dúvida que tenho... - olhou para Jason esperando que os seus olhos lhe indicassem alguma receptividade, a qual retribuiu prontamente. Mete a sua mão dentro da sua bolsa típica de senhora, remexe invisualmente no seu conteúdo como quem retira uma bola de um número da lotaria de um invólucro opaco, e saca do seu telmóvel e um dispositivo que parecia um auricular sem fios - Tenho aqui este auricular bluetooth, que não consigo por a funcionar em condições. O senhor parece-me entendido... não me poderia dar uma ajuda?
- Concerteza... Já emparelhou o auricular?
- Emparelhar? Hum... eu já fiz isso... penso que sim. - respondeu com alguma insegurança na voz.
- Posso ver se tem a configuração toda bem feita?
- Claro. - respondeu ela enquanto rapidamente lhe colocava o seu telemóvel na minha mão. - Esteja à vontade.
Analisando o seu telemóvel, reparava que o seu estado de conservação era insigne. E Jason pensava que o seu estava muito bem poupado. Acedeu aos menus do Bluetooth e reparou que não existia nenhum emparelhamento com dispositivo algum. Explicou à rapariga, como deveria interligar os dois meios de comunicação, mostrando-lhe e explicando de uma maneira pausada. Era a maneira como ele explicava sempre tudo... mesmo correndo o risco que na cabeça do explicando, ocorresse a ideia de que o julgava menos inteligente. Gostava de se sentir seguro na qualidade da instrução, queria garantir que o ouvinte percebia de facto tudo o que lhe explicava.
- Percebi. - diz a rapariga com uma feição de compreensão. - Já agora, o seu telemóvel também costuma bloquear nos menus quando se navega um pouco mais depressa?
- Não é costume. Pode acontecer quando o utilizador faz um pedido mais elaborado que pressupõe um maior processamento do telemóvel.
- Pois... Mas olhe... acontece-me sempre que faço isto, por exemplo... - e mostra-me num gesto frenéticamente surpreendente, uma combinação de navegação por entre alguns menus básicos. - Vê? Não lhe estou a pedir que me faça nada de especial...
- Estou a ver. Sabe, isso tem a ver com o processamento da imagem. Está a pedir ao telemóvel que rapidamente refresque a imagem, com a introdução de movimentos muito repentinos...
- Processamento da imagem?
- Eu passo a explicar... O ecrã do telemóvel é composto por pixeis. E a cada segundo, a cada um desses pixeis vai ser atribuída uma cor, que no seu conjunto formam uma imagem. E vamos supor que no seu modelo, isto é refrescado umas 60 vezes por segundo... (bla bla bla).
- Eh pá, mas tu vais mesmo explicar isto tudo à senhora? Não tens vergonha de entediar a pobre rapariga? - Jason ouvia uma voz profunda no fundo da sala de espera desenhada na sua mente.
Mas os olhos da rapariga estavam bem abertos e atentos... aparentemente apreciava o seu gesto explicativo e interessava-se pelo que Jason lhe dizia. Após terem trocado algumas ideias, a rapariga vira-se para Jason e diz:
- Eu gostava muito de ir tomar um café consigo. Gostaria de me acompanhar, no final da doação?
Jason esperava tudo, menos uma pergunta daquelas. E enquanto se perdia naquele momento sem que a sua boca emitisse qualquer tipo de som, entra uma enfermeira na sala:
- Sr. Jason? É a sua vez... - era a sua deixa. Aproveitara aquela interrupção para responder à simpática rapariga.
- Agradeço o convite. Talvez se o destino nos encontrar por mais alguma vez, eu pondere sobre o seu convite de uma maneira mais receptiva. Prazer em conhecê-la... - e enquanto lhe acenava com a cabeça respeitosamente, deslocou-se para a sala onde se encontravam a tirar sangue.
A enfermeira sobe-lhe a manga da camisa, descobrindo o seu braço peludinho.
- Estas veias estão com visibilidade boa para o efeito. - disse a enfermeira enquanto preparava a seringa.
- Não é normal... - respondeu Jason, pensando na razão pela qual o seu corpo bombeava sangue a um ritmo mais acelerado. E naquele breve instante, sentia-se bem.

5 comentários:

Psyco disse...

Eu não percebi porque a resposta não foi logo "sim".
Nunca devemos rejeitar um convite de alguém que nos deu a sua atenção.

Perder oportunidades é algo que nunca deve acontecer. Isto é algo que o "Jason" tem que aprender.

Jo disse...

Massagem ao ego sabe sempre bem.
;)
E o sangue a pulsar, latejado, trazendo calor, é muito bom!
beijo*

Abssinto disse...

Eu não deixava de ir tomar café com a dona, ainda por cima é costume oferecer-se um excelente lanche depois e cada doação! Ele ia ter tempo para acabar de administrar o curso de telecomunicações à formanda:)

...Mas talvez ela não fosse bem o género dele, sim, deve ter sido isso!

abraço

Anónimo disse...

Se estiveres com o Jason,dá-lhe um beliscão (por mim,please)...um grande beliscão faxavor ;)

Vertigo*

Glummy disse...

psyco:
Numa verdadeira oportunidade, ele reagia de maneira diferente.

mariazinha:
Bela massagem. Pena que para ele nem sequer deu para lhe preencher algum ego. Continua a ver o mesmo no espelho...

abssinto:
Right on! E aquele seu coração encontra-se agora fechado a aventuras facilitistas, passivas de fins impróprios.

Vertigo:
Jason diz: Ouch! e pergunta porquê...